segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Editorial 004

“O melhor é certamente separar o artista da obra, a ponto de não tomá-lo tão seriamente como a obra. Afinal, ele é apenas a precondição para a obra, o útero, o chão, o esterco e o adubo no qual e do qual ela cresce – e assim, na maioria dos casos, algo que é preciso esquecer, querendo-se desfrutar a obra mesma.”

Friedrich Nietzsche, no livro “A genealogia da moral”


JULIETTE chega à sua quinta edição abrindo uma questão suscitada pela entrevista concedida pelo cineasta Karim Aïnouz a nosso editor Rafael Urban e ilustrada pela frase acima do filósofo Nietzsche: artista, vida e obra formam um conjunto inseparável ou estão segmentados?

Ainda inserido na tradição do século XVIII, apesar de situado no XIX, Nietzsche considera a obra de arte como fruto de uma genialidade que ultrapassa a individualidade do homem dotado deste “gênio”, daí a necessidade de se avaliar a obra independentemente de sua vida particular. A obra de arte deve ser apreciada por sua aura distanciada do mundo cotidiano. Nada na vida deste homem deve influenciar na avaliação de sua obra.

Tradição esta de toda a estética romântica e que se contradiz com as próprias considerações do filósofo a respeito da vida como obra de arte. Mais tarde, retomaria um estilo do pensamento pré-socrático de estóicos e epicuristas, por exemplo, em que viver, pensar e agir são coincidentes. Deste modo, irá concluir Nietzsche, cada homem deve fazer de sua vida particular uma obra de arte, pois todo homem é um artista. E aqui, muito antes de Marcel Duchamp, o conceito de arte e sua aura são desfeitos. O cotidiano invade a definição de arte e artista.

Karim Aïnouz, com franqueza e delicadeza, nos oferece a construção de sua filmografia de um ponto de vista particular, costurando vida e obra e nos oferecendo o que hoje, talvez, seja fator relevante no momento de se desvendar o artista: sua autenticidade ao definir seus temas e atividades.

JULIETTE ainda traz texto de Tatiana Monassa investigando, ou ainda melhor, percorrendo o trabalho de Karim sem situá-lo em contextos prontos, mas colocando-o como um “cavaleiro solitário” no cinema nacional, devido ao modo como constrói sua individualidade como homem e artista.

João Krefer analisa dois curtas-metragens da diretora curitibana Heloisa Passos – diretora de fotografia de um dos primeiros filmes de Karim – percebendo nela uma ligação com a cidade que não se torna “bairrista” no sentido limitador do termo, mas percebendo que talvez sempre haja algo de universal que se revela naquele que percorre a sua origem.

Fábio Allon nos apresenta a continuação de sua investigação acerca das Arquiteturas Fílmicas iniciada em JULIETTE 003 e tendo como ponto de partida o espaço criado por Jacques Tati (Tativille).

Já Arthur Tuoto traz à tona a obra de um cineasta ainda pouco conhecido, mas já despontando como um dos mais originais do cinema atual, o tailandês Apichatpong Weerasethakul.

Nesta edição a sessão de fotos Making Of registra o curta-metragem Nós (2008), de Fábio Allon.

Continuemos com a língua solta e até 2009.

Merci.
Josiane Orvatich

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Lançamento JULIETTE Edição 004

A quinta edição de JULIETTE Revista de Cinema será lançada nesta quinta-feira, 11 de dezembro, às 19h30, na CINEMATECA DE CURITIBA.

O lançamento será acompanhado da exibição dos filmes Seams (28 min, 1993) de Karim Aïnouz e Viva Volta (15 min, 2005) de Heloisa Passos, seguidos de debate.

A publicação de JULIETTE deste mês traz ensaios críticos de Tatiana Monassa, Fábio Allon, João Krefer e Arthur Tuoto. A entrevista do mês é com Karim Aïnouz.

JULIETTE é uma produção da Jaguadarte Filmes e conta com o apoio da GP7 Cinema e Atores, Tecnicópias Impressões Digitais e VLS Produções Serigráficas.

Serviço
Lançamento JULIETTE Revista de Cinema
Data: 11 de dezembro de 2008
Horário: 19h30
Local: CINEMATECA DE CURITIBA, Rua Carlos Cavalcanti, 1174

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Editorial JULIETTE 003

“As filas (e as rendas) nos dizem que as pessoas estão indo ao cinema – não que estejam se divertindo (...). Eles (da indústria) acham que as rendas são prova de que as pessoas estão satisfeitas com o que recebem, do mesmo modo como os executivos de TV acham que os programas de maior audiência são o que os telespectadores querem, em vez dos que aceitam”.
Pauline Kael, “Por que os filmes são tão ruins”, no livro “Cidadão Kane e outros ensaios”.

JULIETTE em sua quarta edição, a de número 003, traz uma reflexão implícita sobre um dos temas mais pesados, no sentido severo de tantas vezes condenar um filme, e polêmicos acerca da arte/ indústria cinematográfica: a bilheteria.

Em entrevista concedida a nosso editor Rafael Urban, Philippe Barcinski aponta para duas grandes necessidades no cinema brasileiro: planejamento e reconhecimento do valor dado à obra pelo público. Acerca deste segundo tema, temos uma oposição ao nosso entrevistado da edição anterior, Carlos Reichembach, defensor da não necessidade de se avaliar um filme pelo seu resultado de bilheteria. Ao menos não avaliar como obra de arte. E como indústria?

Eis a dicotomia desta “ferramenta” nascida na década de 1890, mistura de arte e técnica, resquício da teoria do autor romântico de todo o século XIX, “gênio dotado de intuição” e mercado financeiro. Como excluir a necessidade de renda de uma arte que, salvo exceções, custa tão caro? Barcinski aponta para uma reflexão de mercado já no projeto inicial, em seu desenvolvimento, desde o roteiro até o local de exibição. Aceita as produções modestas (mal-pagas) e inventivas, mas garante que os profissionais não podem sobreviver somente com estes trabalhos.

A questão permanece lançada com um convite à reflexão ao papel não só da própria obra cinematográfica, mas ao da crítica: como incorporar a recepção da obra a obra?

JULIETTE ainda traz quatro ensaios críticos com estilos e temáticas distintas. Fábio Allon parte da especificidade e delimitação do tema, com caráter de tradição mais acadêmica e especializada, analisando, a partir do espaço criado por Jacques Tati (Tativille), a composição da arquitetura - leiam-se aqui também cenários e direção de arte.

João Krefer, que vem contribuindo periodicamente com JULIETTE, percorrendo a história da vanguarda, nos apresenta novo ensaio e olhar sobre o tema. A partir de Ricciotto Canudo contextualiza mais algumas de suas características, defendo-as como configuradoras do “fazer fílmico”.

Luciana Cristo, em texto singelo, narra sua visita aos antigos lugares (já outros comércios) e salas de cinema de rua curitibanas e faz uma reavaliação da atividade de exibição de filmes nos dias de hoje.

Eduardo Valente, editor da revista eletrônica de cinema CINÉTICA apresenta ensaio sobre o longa-metragem paranaense Mystérios, de Beto Carminatti e Pedro Merege, reconhecendo o ineditismo da narrativa e, talvez por isto mesmo, sua dificuldade em dar-lhe um acabamento final.

Contamos nesta edição com duas novas sessões. Publicações literárias e fotográficas. Está aberto o espaço para textos narrativos ficcionais que dialoguem de alguma maneira com o cinema, seja num personagem ou numa idéia, apostando na criatividade da linguagem escrita. A sessão fotográfica destina-se ao Making Of de produções cinematográficas. Nesta edição a sessão dedicada à ficção tem texto de Luiz Felipe Leprevost e a sessão de fotos dedicada ao Making Of registra o curta-metragem em Super-8 de Murilo Wesolowicz.
Os interessados podem enviar seu material para nosso email de contato, localizado na contracapa da revista.

Continuemos com a língua solta, até a edição de dezembro.

Merci.
Josiane Orvatich

domingo, 16 de novembro de 2008

Lançamento JULIETTE Edição de Novembro

A quarta edição de JULIETTE Revista de Cinema será lançada nesta terça-feira, 18 de novembro, às 19h30 na CINEMATECA DE CURITIBA.

O lançamento será acompanhado da exibição dos curtas Palíndromo e A escada de Philippe Barcinski seguido de debate e ainda contará com a presença de Pedro Merege e Beto Carminatti discutindo o longa Mystérios.

A publicação de JULIETTE deste mês traz quatro ensaios críticos com estilos e temáticas distintas.

Fábio Allon analisa, a partir do espaço criado por Jacques Tati, Tativille, a composição da arquitetura - leiam-se aqui também cenários e direção de arte - em seus filmes.
João Krefer percorre a história da vanguarda a partir de Ricciotto Canudo contextualizando suas características e defendo-as como configuradoras do "fazer fílmico".
Luciana Cristo narra sua visita aos antigos lugares que já foram salas de cinema (hoje, outros comércios) e faz uma reavaliação da atividade de exibição de filmes nos dias de hoje.
Eduardo Valente, editor da revista eletrônica de cinema CINÉTICA, apresenta ensaio sobre o longa-metragem paranaense Mystérios, de Beto Carminatti e Pedro Merege.
Em entrevista concedida a nosso editor Rafael Urban, Philippe Barcinski aponta para duas grandes necessidades do cinema brasileiro: planejamento e reconhecimento do valor dado à obra pelo público.

Há ainda duas novidades nesta edição: a sessão dedicada à ficção com texto de Luiz Felipe Leprevost e sessão Making Of, com fotos do curta "Repetição", gravado em Super-8, de Murilo Wesolowicz.JULIETTE é uma iniciativa de Josiane Orvatich, que tem Eduardo Baggio e Rafael Urban como seus co-editores e Murilo Wesolowicz como produtor.

JULIETTE é realizada de maneira independente e conta com o apoio da GP7 Cinema e Atores, Tecnicópias Impressões Digitais e Jaguadarte Filmes.

Serviço
Lançamento JULIETTE Revista de Cinema
Data: 18 de novembro de 2008
Horário: 19h30
Local: CINEMATECA DE CURITIBA, Rua Carlos Cavalcanti, 1174
Entrada Franca

A revista estará a venda por R$ 3 em Curitiba, Rio de Janeiro e São Paulo.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Oficina de Crítica Cinematográfica

8/11 Apresentação do Projeto Editorial de Juliette Revista de Cinema
Josiane Orvatich

9/11 Teoria e Crítica Cinematográfica
Eduardo Baggio

15/11 Análise do Texto Crítico
Nikola Matevski

16/11 A Resenha Crítica Jornalística
Rudney Flores

22/11 Exercícios de Crítica Cinematográfica
Josiane Orvatich e Nikola Matevski

* As duas melhores críticas produzidas na oficina serão publicadas em Juliette Revista de Cinema

Horários:8/11 14h às 16h9 a 22/11 9h às 12h e 14h à 17h

Valor:R$180,00

Informações e inscrições:41 8406.1520
revistajuliette@terra.com.br

Local:
p a r a l e l o: centro de artes visuaisConselheiro Araújo, 315 Curitiba-Pr

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Lembranças do Novo Cinema Argentino (Trecho)

Por Andrés Di Tella

1.

Em algum momento dos anos 80, eu estava sentado em uma sala meio vazia da Rua Lavalle, de Buenos Aires, vendo desfilar as imagens de um filme argentino, de cujo nome não quero me lembrar. Para lutar contra a típica sensação de frustração e impotência que produzia o cinema argentino daqueles anos, em minha condição de jovem cineasta incipiente, me distraía com um exercício imaginário: pensava como poderia ter contado a mesma história de outro modo, com outros diálogos, outras atuações, outras imagens. Mas não podia, pois era literalmente inimaginável. O cinema nacional havia me limitado. Era como se filmar do modo argentino fosse impossível sem impostação, sem retórica, sem essa gramática de planos e contraplanos de onde se notava cada corte e o peso de todo um aparato deslocando-se tediosamente de um posicionamento de câmera ao próximo. A impressão que causavam esses filmes era a dos roteiros filmados, melhor ou pior, mas muito distantes do potencial expressivo do cinema. Cheguei a conhecer alguns desses diretores, e me surpreendeu sua aparente falta de interesse pelo cinema e o seu total desconhecimento mesmo que seja dos nomes dos mais importantes cineastas da atualidade. Atrás de uma atitude de ter o cinema como uma profissão a mais, davam a impressão que, efetivamente, podiam estar desempenhando qualquer outro ofício. Logo, se podia pensar que a única arte que um cineasta desses anos deveria conhecer era a arte de se dirigir aos órgãos oficiais para conseguir subsídios. Sei que qualquer generalização deste tipo é ridícula e que seria injusto levá-la muito a sério. Mas trato de explicar, de maneira torpe, uma sensação. Quando escuto ou leio que alguém coloca em dúvida a existência de um “Novo Cinema Argentino”, me lembro dessas sensações de espectador de filmes nacionais e não me cabe dúvida alguma de que algo, profundo, mudou.

O artigo completo do cineasta argentino Andrés Di Tella, em tradução inédita de Rafael Urban, pode ser conferido na edição 002 de JULIETTE Revista de Cinema.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Entrevista JULIETTE 002 (Trecho)

Entrevista com Carlos Reichenbach
Cineasta gaúcho radicado em São Paulo

Josiane Orvatich: O seu pai era editor da revista Lady, na década de 50, uma das primeiras chamadas “revistas femininas” no Brasil. Você disse em outras entrevistas que começou a se interessar por cinema por causa de um roteiro publicado nela. Como era o conteúdo desta revista?
Carlos Reichenbach: O meu pai era um industrial gráfico e foi bastante respeitado na época, pois ele dirigiu uma revista muito popular na década de 1950, a Seleções Reader’s Digest. Até hoje eu encontro gente que me pergunta: “Você editava a revista Seleções?”; e eu digo: “Não, era o meu pai que tinha o mesmo nome”. Ele também editou e lançou no Sul a revista Casa e Jardim. Ele começou no Brasil o que chamamos de imprensa dirigida: lançou a primeira revista para médicos, O Médico Moderno, a primeira revista com publicação voltada para o produtor agrícola, Dirigente Rural. Mas o projeto pessoal da vida dele foi essa revista Lady, que foi a primeira voltada para mulheres que não tinha fotonovela. Ao contrário, tinha um grupo de redação com intelectuais de ponta e escritores. Tinha, inclusive, coluna de política. De certa forma, ela foi uma revista meio pioneira, era uma revista de viés quase que intelectual para um público acostumado com fotonovela.

J.O: Ela tinha uma seção de cinema ou eventualmente tratava sobre o tema?
C. R.:Nessa época não tinha Cláudia, Nova, que só foram criadas duas décadas depois. Então, nesse sentido, a Lady foi extremamente pioneira. O que teve um preço muito alto, custou a saúde do meu pai e os dois infartos que ele teve para poder manter a revista viva. A publicação tem uma importância histórica, pois é nela que foi publicada a novela Jovita, de Dinah Silveira de Queiroz, que o cineasta Oswaldo Sampaio se interessou em adaptar para o cinema. Quando o roteiro ficou pronto, foi feita uma leitura pública, mas pequena, para poucas pessoas. E esse foi o meu primeiro contato direto com o texto cinematográfico e algo que me impressionou demais. A leitura do roteiro de Jovita, que infelizmente não foi filmado, foi a primeira coisa que me despertou a minha curiosidade pelo cinema, especificamente pelo roteiro cinematográfico.

J.O.:E como você entendia o cinema naquela época?
C.R.:Para mim, desde muito cedo, o cinema tinha esse aspecto de corresponder a uma soma de outras expressões culturais, como a literatura, a dramaturgia e a música, que foi a atividade que, indiscutivelmente, me conduziu ao cinema. É muito louco porque quando me perguntam até hoje qual foi o primeiro filme que me fez gostar de cinema eu não hesito em dizer que foi uma fantasia “infanto-surrealista” chamada Os 5000 mil dedos do Dr. T (1953), de um diretor chamado Roy Rowland. É um filme cheio de fantasia e sonhos que narrava a história de um aluno que era torturado pelo seu sádico professor de piano. De certa forma, a minha formação foi bastante traumatizante. Antigamente se ensinava o piano com muito rigor, especialmente a musica clássica. Eu fui aluno do primeiro curso de cinema de nível universitário aberto em São Paulo, chamado Escola Superior de Cinema São Luiz. Era um curso pago, uma instituição católica ligada à Faculdade de Economia São Luiz, e eu paguei com os cachês que recebia por tocar em clubes de campo e desfiles de moda como tecladista de um grupo musical chamado TNT Trio. De certa forma, o cinema também sempre esteve muito ligado à música na minha formação. Por isso eu digo: o filme que me fez apaixonar-se por cinema foi um onde a música é personagem. A música e a literatura foram as coisas que me conduziram ao cinema.

A continuação desta entrevista, realizada por Josiane Orvatich, encontra-se na edição 002 de JULIETTE Revista de Cinema.

Editorial JULIETTE 002

“A meu ver, não há nenhum motivo de surpresa se o artista moderno for chamado de fora-da-lei. Na verdade, o que diferencia o artista moderno do acadêmico é, simplesmente, o fato de ser ou não inofensivo. E esta última posição, embora incômoda, é a única que me acalma a consciência.”
Rogério Sganzerla

A revista JULIETTE deste mês vem inspirar-se em questões do cinema marginal, apesar deste termo já não ser mais defendido nem mesmo por seus integrantes. A pergunta de nossa personagem sadeana continua sendo, desde a primeira edição com inspiração em Theodor Adorno, sobre os limites da arte, sua ofensividade e violência sobre a realidade ou sobre sua impossibilidade de ação.

A arte é ação ou reflexo de ações, inofensiva ou determinante?

Desta forma, discutir o papel da crítica de arte, tendo no recorte de JULIETTE a arte cinematográfica, torna-se discussão fundamental para definir de que modo o mundo contemporâneo localiza a obra de arte. Como já citamos Adorno, podemos apontar para sua preocupação quanto ao não-perigo da manifestação artística, já embutida no sistema capitalista e, como bom autor de influência marxista, diluído num sistema massificado de compreensão de mundo.

Debater a respeito da arte não trata de delegar a ela uma função, senão cairíamos na cilada “utilitarista”. Porém, perceber seus movimentos e, sobretudo, sua ação como atuação na realidade, deve ser a meta daquele que se lança à atividade crítica.

Nesta edição trazemos algumas destas questões nuançadas em artigo de Eduardo Baggio, referindo-se diretamente à leitura da crítica cinematográfica brasileira, contribuindo para o pensamento acerca da necessidade de transformar em outro tipo de linguagem – a crítica – uma linguagem que, talvez, devesse esgotar-se em si mesma – a arte.

Ainda em reflexão sobre a própria atividade artística apresentamos artigo de Andrés Di Tella, cineasta argentino, em tradução inédita para o português pelo co-editor de JULIETTE Rafael Urban. E, continuando a situar o contexto fílmico da Argentina, a jornalista Mariana Sanchez traz para a discussão o cinema de Lucrecia Martel.

A entrevista deste mês, realizada por esta editora, é com Carlos Reichenbach, representante do cinema de invenção, o também já nomeado cinema marginal. Na conversa poderemos conferir, além de um percurso histórico deste cinema e da própria obra do cineasta, a polêmica acerca das nomenclaturas e da estética cinematográfica brasileira.

Temos ainda, fora do eixo cinematográfico latino, o cineasta Rodrigo Grota comentando a inventividade de Robert Bresson.

Continuemos com a língua solta, aguardando a próxima edição.
Merci.

Josiane Orvatich

domingo, 5 de outubro de 2008

OUTUBRO: Lançamento JULIETTE 002

A Revista JULIETTE do mês de outubro será lançada durante o Festival de Cinema do Paraná, na livraria do Festival, localizada no MUSEU OSCAR NIEMEYER, quarta-feira, dia 08 de outubro, a partir das 18 horas.
JULIETTE vem inspirada no cinema “marginal” paulistano, trazendo entrevista inédita com CARLOS REICHENBACH por Josiane Orvatich e refletindo sobre o papel da crítica cinematográfica brasileira em artigo de Eduardo Baggio.
Ainda percorrendo o cinema latino-americano apresentamos artigo de Andrés Di Tella, cineasta argentino, em tradução de Rafael Urban e artigo sobre Lucrecia Martel pela jornalista Mariana Sanchez.
Fora do eixo cinematográfico latino, o cineasta Rodrigo Grota comenta a inventividade de Robert Bresson.

Com arte de Lucía Alvarez, desenhos de Vitor Aiolfi, produção de João Krefer, Josiane Orvatich e Murilo Wesolowicz, a Revista JULIETTE conta com os apoios de:

ASCINE – RJ
GP7 CINEMA E ATORES
JAGUADARTE FILMES e
TÉCNICÓPIAS

Serviço
Lançamento Revista de Cinema JULIETTE 002
08 de outubro de 2008, Quarta-feira
A partir das 18h
MUSEU OSCAR NIEMEYER (MON) - Festival de Cinema do Paraná

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Entrevista JULIETTE 001 (Trecho)

Entrevista Vladimir Carvalho.
Cineasta Paraibano.

Rafael Urban: Com Aruanda se inicia um ciclo importante de documentários na Paraíba. Como foi participar desse projeto?

Vladimir Carvalho: Aruanda foi a minha porta de entrada no cinema. Fui convidado para fazer o roteiro juntamente com João Ramiro Mello, que depois seria meu parceiro em meu primeiro curta (Romeiros da Guia, 1962). Foi com Aruanda que nos introduzimos ao cinema na prática. A Paraíba, naquele momento, não era local de muita produção. Tirando Rio e São Paulo, o resto era província: o Rio sendo a corte e São Paulo, a capital econômica. A Paraíba no fim dos anos 1950 tinha a universidade (UFPB) há menos de 10 anos. Por conta dela, apareceu o cineclube, em que as pessoas queriam filmar – o que era uma ousadia. No Rio, depois da Vera Cruz, havia um movimento se esboçando – com Nelson Pereira dos Santos e Rio 40 graus – e isso agitou muito as nossas cabeças e influenciou muito a gente. Linduarte sugeriu que filmássemos a respeito de uma reportagem que ele havia feito sobre um lugarejo em que o povo sobrevivia por fazer cerâmica e algodão nativo. Não tínhamos prática, éramos auto-didatas. Decoramos de trás para frente o Tratado de La Realización Cinematográfica, de Leon Kulechov. Era uma formação livresca, mas para a nossa felicidade deu certo. Com Aruanda, Linduarte fez um filme que até hoje é referência do documentário brasileiro. Glauber dizia e escreveu que foi um divisor de águas. Antes, havia vagamente um documentário brasileiro feito por Umberto Mauro, mas de forma bissexta. Com o filme, eu e João Ramiro tivemos vontade de fazer mais. Não tínhamos o prestígio de Linduarte e resolvemos sair da Paraíba. Fui a Salvador fazer o curso de Filosofia na UFBA e João Ramiro foi trabalhar no Rio. Por conta disso, ele revelou-se um montador muito bom, inclusive editando meu primeiro filme. Eu fiquei na Bahia, pois lá havia um movimento cinematográfico. O Glauber estava começando o segundo filme, Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), depois de Barravento (1962).

R.U.: O Glauber fez uma série de elogios a você.

V.C.: Ele me incluiu no livro “Revolução no Cinema Novo”, aquela coisa curiosa que ele fez como se fossem verbetes de dicionário. Enfim, foi esse o início. Faz mais de 40 anos que vivo entre Bahia e Rio.

R.U.: Nos créditos de Aruanda você aparece como assistente de direção.

V.C.: Houve uma espécie de cisão entre nós, pois o Linduarte não colocou o que realmente fomos: roteiristas e depois assistentes. O Ramiro foi mais assistente que eu, ele esteve em toda a filmagem. Então, nós rompemos com Linduarte. Mas isto, hoje, está superado. Fizemos cada um uma carreira em separado. Isto foi como entrei para o cinema. Depois do curso de Filosofia em Salvador fui assistente do (Eduardo) Coutinho em Cabra Marcado para Morrer (1984).

R.U.: Você estava cobrindo as Ligas Camponesas nessa época.

V.C.: Eu fui correspondente dos “Novos Rumos”, que era o veículo oficial do Partido Comunista no Rio de Janeiro, um jornal moderno, em que todos os intelectuais do partido contribuíam. Eu era um simples repórter. Sobre as Ligas Camponesas, mandei matéria e acompanhei de perto. Entrei em contato com o João Pedro Peixeira, que foi depois conhecido como “cabra marcado para morrer”. Eu o conheci porque era militante do partido e havia uma camaradagem e solidariedade em hospedar as pessoas, pois o partido nunca tinha recursos. João Pedro vinha para as reuniões, ficava hospedado lá em casa e ficamos amigos. Quando o Coutinho foi para o Nordeste e resolveu fazer o filme, sabia que eu era amigo de João Pedro e Dona Elizabeth Teixeira. Sabendo também que eu já tinha me iniciado no cinema com Linduarte, ele me convidou para ser assistente dele e eu fui para Pernambuco. Lá fomos surpreendidos com o Golpe Militar.

Leia continuação desta entrevista na edição 001 de JULIETTE.

Editorial JULIETTE 001

“Juliette apresentou-se descaradamente com a trouxa debaixo do braço, um vestidinho em desordem, a mais bonita figura do mundo e um ar muito ingênuo”.
Marquês de Sade

Não foi escondida de ninguém que JULIETTE se apresentou bastante criminosa. E sua primeira façanha foi ocultar, ainda que involuntariamente, o que não a deixou menos orgulhosa de seu ato, duas de suas irmãs: as revistas de cinema dos anos 70 editadas pela Cinemateca de Curitiba, TELA e TECA.

JULIETTE, como o Marquês de Sade a descreve, muito astuta, continua desejando a prerrogativa de ser a primeira: num ato de coragem ela se lança como a primeira revista independente de cinema em Curitiba. Com seus trapinhos no corpo invade a corte (uma corte peculiar, delicada e levemente melindrosa na cidade de Curitiba).

Mutante e ávida por críticas, JULIETTE comemora seu sucesso (assim esnobinha assumida) da edição número Zero e quer repetir o feito nesta edição que traz artigos de Alexandre R. Garcia, João Krefer, Nikola Matevski, Rodrigo Bouillet e uma entrevista realizada por Rafael Urban com Vladimir Carvalho.

Os textos desta edição percorrem universos cinematográficos bastante diversos, indo do clássico formalista ao clássico marginal com Stan Brakhage e Zé do Caixão, da animação blockbuster ao político arrojado com Kung Fu Panda e Michael Moore. A diversidade de temas e de linguagem crítica é o tom desejado, sempre instigando o debate fílmico, gerando controvérsias e discordâncias se necessário.

JULIETTE não se incomoda e, aliás, recomenda que sejam consultadas suas irmãs TELA e TECA na biblioteca da Cinemateca de Curitiba e que confiram, nesta edição, um breve histórico sobre elas.

A arte desta edição é livremente inspirada no mundo onírico de Alice no país das maravilhas.

Até a próxima e continuem com a língua solta.

Merci.

Josiane Orvatich

domingo, 27 de julho de 2008

Lançamento JULIETTE 001

Lançamento da revista de cinema JULIETTE 001
No Solar do Rosário, Rua Duque de Caxias, 04, Largo da Ordem, Curitiba, PR
Terça-feira, dia 29/07, às 20h

O evento deste mês será realizado com exibição de curtas do documentarista paraibano VLADIMIR CARVALHO, o entrevistado da edição por Rafael Urban, com debate mediado pela jornalista Sandra Nodari. Contaremos também com a presença de Rui Vezzaro para contextualizar o debate fílmico em Curitiba nos anos 1970, com o surgimento da cinemateca e das revistas de cinema editadas pela Fundação Cultural, TELA e TECA, cujo histórico está publicado nesta JULIETTE em matéria de Josiane Orvatich.

Ainda neste edição:
"Catalogar Michael Moore?", Alexandre Garcia
"Cinco vezes Zé do Caixão", Rodrigo Bouillet
"Brakhage, Pollock e a imagem absoluta", João Krefer
"Questão de Olhos", Nikola Matevski

link youtube "Revista Juliette 001" http://br.youtube.com/watch?v=thXdqW85x1Q

Artigos JULIETTE 000

Bruno Carmelo "Tem que ser político"
João Krefer "A influência de Le Tempestaire sobre o cinema ficcional moderno"
Josiane Orvatich "Jogo de cena e a arte da mimesis"
Pedro Merege "f for fake: o nome do jogo de cena"
Valmir de Costa "Sartre e a arte"

Entrevista JULIETTE 000 (Trecho)

Entrevista Eduardo Baggio
Jornalista e Cineasta Curitibano

Josiane Orvatich: Você acha pertinente categorizar o cinema em documental e ficcional?

Eduardo Baggio: Isso é legal. Eu falo na faculdade dessas coisas às vezes. Categorizar, se você tiver um pensamento puramente conceitual, é inútil. Uma vez eu entrevistei o Marcelo Masagão e perguntei a ele sobre filme documentário e ele me disse “eu não faço documentário, eu não faço ficção, eu faço filme”, o que eu acho bem legal por um lado e absolutamente ingênuo por outro. Isto é verdadeiro para falar sobre filmes como um todo, não existem categorias, até porque quando você tenta categorizar sempre há um limite que se perde, uma linha tênue que não consegue separar. Por outro lado é ingênuo porque nós vivemos num mundo de produção de conhecimento em que é preciso se referenciar em relação a um monte de coisas e isso não é só do cinema, você vai falar de um gênero de teatro, de um estilo de teatro, de um tipo de arte e chega num limite, até onde isto aqui é dadaísmo e quando virou surrealismo? Então o limite claro não existe. É ingênuo, você vai perder a chance de estudar, de conseguir se aprofundar. Sempre que se estuda é preciso categorizar, você que é filósofa sabe disso, Descartes fez isso para bem ou para mal. Então, dizer que não existem categorias é ingênuo e se prender a elas com unhas e dentes é ingênuo também.

JO: Do mesmo modo ao pensar cinema mundial, brasileiro ou paranaense, também seriam divisões ingênuas ou pesariam questões culturais que você considera que são importantes?

EB: Culturalmente acho que é a mesma coisa. É ingênuo não separar ou ser absolutista e categórico, dizendo que é um cinema X ou Y. Mas acho que muda um pouco porque envolve uma questão geopolítica e econômica que talvez seja a mais importante quando você está falando de cinema. Não sei se a mais importante, mas a mais recorrente. As pessoas quando estão falando de cinema brasileiro geralmente estão opondo a um cinema estrangeiro, especialmente hollywoodiano que tem uma presença comercial muito forte. Então estes termos são utilizados não como elemento artístico-cultural, mas como uma definição política e econômica, comercial. Mas se for pensar do ponto de vista artístico cai mais ou menos na mesma coisa da divisão de gênero. Você não dividir pode parecer muito inteligente por um lado, mas ingênuo por outro e vice-versa. É preciso saber ponderar e refletir sobre o que se está falando e que necessidade você tem naquele momento e naquele seu pensamento pra saber até onde isso pode ir.

JO: Como você chegou até o cinema? Quando fez jornalismo já pensou que isto seria um meio?

EB: Eu tinha guardado, não devo ter mais, uma matéria de jornal de quando eu entrei na faculdade, na primeira semana do curso. Lá o repórter perguntava sobre jornalismo, o porquê das escolhas, ele entrevistou a mim e ao Rafael Mouro e minha resposta era que eu queria fazer cinema. Só havia três cursos no Brasil na época e eu não tinha conseguido financeiramente viabilizar minha ida nem pra São Paulo, nem pra Brasília e nem para o Recife. Era a primeira semana de aula e eu estava dizendo que queria fazer cinema. Naquele momento era algo que eu já havia decidido. Mas não era muito anterior, não era uma decisão de infância. Era de um ou dois anos antes do vestibular. Fiz jornalismo nem sei bem por que, eu queria fazer comunicação, eu gosto muito de jornalismo como potencial e odeio quase tudo que se faz. Potencialmente é muito bom e cotidianamente mal explorado. Não foi um desgosto fazer jornalismo, mas acho que talvez essa presença do jornalismo na faculdade - e isto é uma auto-análise - talvez tenha me feito me relacionar mais com o documentário. Não sei como teria sido sem jornalismo, nunca dá pra saber sobre outras escolhas, mas antes eu pensava no cinema mais relacionado à ficção e aos poucos eu fui me direcionando para o documentário.

JO: Você considera que tem uma obra no sentido de ter uma unidade e um estilo no seu trabalho? Ou não faz sentido pensar em “obra”?

EB: Acho que até faz quando você olha para algumas cinematografias, mas eu não tenho. Acho que só pra mim. Se alguma pessoa conseguisse saber o que eu penso sobre cinema documentário e fosse prestar atenção nas datas em que fiz os filmes, vai ver que há um caminho de pensamento, o que não torna isto uma obra, mas um “Processo”, com P maiúsculo, um Processo evolutivo, não no sentido de melhora, pode ser de piora, mas no sentido de transformação. Eu estudei documentário no mestrado e alterei algumas posturas sobre o que fazer e como fazer, o que caracteriza uma trajetória, mas “obra” acho que não porque se isto é identificável só por mim talvez não se possa utilizar o conceito de obra. Não sei se é para se levar muito a sério. Não é algo que eu me preocupo em construir.

Leia continuação desta entrevista na JULIETTE 000, Junho/08

Editorial JULIETTE 000

“Dentre os perigos que a arte moderna corre, o pior é a ausência de perigo”.
Theodor Adorno

Na imagem de uma perversa e criminosa personagem do Marquês de Sade, JULIETTE vem representar a força transgressora da obra de arte.

Sempre disposta a ocupar o lugar da marginalidade que afronta os lugares comuns constituídos, JULIETTE é o perigo necessário que rompe os limites do conhecido: funda um novo olhar, uma nova perspectiva e percepção.

Este é o espaço que esta revista quer inaugurar: abrir uma voz (assim mesmo, abrir, esgarçar, rasgar). Uma voz que venha romper o silêncio que impomos a nós mesmos a respeito do que fazemos: o cinema.

Que esta voz não seja um “falatório” inócuo e irrelevante, mas sim uma Weltanschauung (“visão de mundo”, assim em alemão para pesar bastante).

O tema de nossa JULIETTE é todo o cinema: desde seu surgimento, com os irmãos Lumière (estamos com esta tese), até a última produção paranaense independente.

Que JULIETTE instigue nosso senso crítico, nossa concepção de arte, nossa vontade de elaborar um pensamento a respeito de nossa ação fílmica.

Contra o medo de Adorno, a proposta é nos expor e nos arriscar. Vamos à crítica.

Josiane Orvatich