domingo, 27 de julho de 2008

Entrevista JULIETTE 000 (Trecho)

Entrevista Eduardo Baggio
Jornalista e Cineasta Curitibano

Josiane Orvatich: Você acha pertinente categorizar o cinema em documental e ficcional?

Eduardo Baggio: Isso é legal. Eu falo na faculdade dessas coisas às vezes. Categorizar, se você tiver um pensamento puramente conceitual, é inútil. Uma vez eu entrevistei o Marcelo Masagão e perguntei a ele sobre filme documentário e ele me disse “eu não faço documentário, eu não faço ficção, eu faço filme”, o que eu acho bem legal por um lado e absolutamente ingênuo por outro. Isto é verdadeiro para falar sobre filmes como um todo, não existem categorias, até porque quando você tenta categorizar sempre há um limite que se perde, uma linha tênue que não consegue separar. Por outro lado é ingênuo porque nós vivemos num mundo de produção de conhecimento em que é preciso se referenciar em relação a um monte de coisas e isso não é só do cinema, você vai falar de um gênero de teatro, de um estilo de teatro, de um tipo de arte e chega num limite, até onde isto aqui é dadaísmo e quando virou surrealismo? Então o limite claro não existe. É ingênuo, você vai perder a chance de estudar, de conseguir se aprofundar. Sempre que se estuda é preciso categorizar, você que é filósofa sabe disso, Descartes fez isso para bem ou para mal. Então, dizer que não existem categorias é ingênuo e se prender a elas com unhas e dentes é ingênuo também.

JO: Do mesmo modo ao pensar cinema mundial, brasileiro ou paranaense, também seriam divisões ingênuas ou pesariam questões culturais que você considera que são importantes?

EB: Culturalmente acho que é a mesma coisa. É ingênuo não separar ou ser absolutista e categórico, dizendo que é um cinema X ou Y. Mas acho que muda um pouco porque envolve uma questão geopolítica e econômica que talvez seja a mais importante quando você está falando de cinema. Não sei se a mais importante, mas a mais recorrente. As pessoas quando estão falando de cinema brasileiro geralmente estão opondo a um cinema estrangeiro, especialmente hollywoodiano que tem uma presença comercial muito forte. Então estes termos são utilizados não como elemento artístico-cultural, mas como uma definição política e econômica, comercial. Mas se for pensar do ponto de vista artístico cai mais ou menos na mesma coisa da divisão de gênero. Você não dividir pode parecer muito inteligente por um lado, mas ingênuo por outro e vice-versa. É preciso saber ponderar e refletir sobre o que se está falando e que necessidade você tem naquele momento e naquele seu pensamento pra saber até onde isso pode ir.

JO: Como você chegou até o cinema? Quando fez jornalismo já pensou que isto seria um meio?

EB: Eu tinha guardado, não devo ter mais, uma matéria de jornal de quando eu entrei na faculdade, na primeira semana do curso. Lá o repórter perguntava sobre jornalismo, o porquê das escolhas, ele entrevistou a mim e ao Rafael Mouro e minha resposta era que eu queria fazer cinema. Só havia três cursos no Brasil na época e eu não tinha conseguido financeiramente viabilizar minha ida nem pra São Paulo, nem pra Brasília e nem para o Recife. Era a primeira semana de aula e eu estava dizendo que queria fazer cinema. Naquele momento era algo que eu já havia decidido. Mas não era muito anterior, não era uma decisão de infância. Era de um ou dois anos antes do vestibular. Fiz jornalismo nem sei bem por que, eu queria fazer comunicação, eu gosto muito de jornalismo como potencial e odeio quase tudo que se faz. Potencialmente é muito bom e cotidianamente mal explorado. Não foi um desgosto fazer jornalismo, mas acho que talvez essa presença do jornalismo na faculdade - e isto é uma auto-análise - talvez tenha me feito me relacionar mais com o documentário. Não sei como teria sido sem jornalismo, nunca dá pra saber sobre outras escolhas, mas antes eu pensava no cinema mais relacionado à ficção e aos poucos eu fui me direcionando para o documentário.

JO: Você considera que tem uma obra no sentido de ter uma unidade e um estilo no seu trabalho? Ou não faz sentido pensar em “obra”?

EB: Acho que até faz quando você olha para algumas cinematografias, mas eu não tenho. Acho que só pra mim. Se alguma pessoa conseguisse saber o que eu penso sobre cinema documentário e fosse prestar atenção nas datas em que fiz os filmes, vai ver que há um caminho de pensamento, o que não torna isto uma obra, mas um “Processo”, com P maiúsculo, um Processo evolutivo, não no sentido de melhora, pode ser de piora, mas no sentido de transformação. Eu estudei documentário no mestrado e alterei algumas posturas sobre o que fazer e como fazer, o que caracteriza uma trajetória, mas “obra” acho que não porque se isto é identificável só por mim talvez não se possa utilizar o conceito de obra. Não sei se é para se levar muito a sério. Não é algo que eu me preocupo em construir.

Leia continuação desta entrevista na JULIETTE 000, Junho/08

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